Porque devemos esforçar para relacionar com a Natureza


"Eu gosto mais de brincar dentro de casa, porque é lá que estão todas as tomadas eléctricas ", vem referido como declaração de uma criança no livro  “Last Child in the Woods  de Richard Louv.

Esta afirmação (e muitas outras semelhantes que frequentemente tenho ouvido no trabalho com crianças) dá o choque da percepção de como as estão desligadas da natureza, pois, tanto crianças como adultos, estão cada vez mais viciados em aparelhos digitais e tecnologia. O problema é que, á medida que passamos mais tempo no mundo electrónico e virtual, estamos menos em contacto com o natural.

E se perdemos ainda mais da nossa conexão com a natureza, da vivência e partilha com os elementos da terra, o que isso pode significar para o planeta?

Sabe-se que desde o ano de 2009, 93% dos adolescentes e 77% dos adultos estão online, de acordo com um Relatório do projecto "Pew internet" . Crianças com idades entre 8-18 gastam uma média de 7,5 horas por dia, 7 dias por semana, em contacto com computadores, TV, jogos de vídeo, aparelhos de música, telemóveis, etc de acordo estudo da Fundação Kaiser Family.

Um outro estudo descobriu que mais crianças de tenras idades, podem jogar um jogo de computador e abrir um navegador na internet do que nadar ou andar de bicicleta. Enquanto isso, tem havido um declínio constante nas visitas em áreas em vários pontos do planeta, e uma queda em caminhadas, campismo, e actividades de ar livre de um modo geral.

Hoje muitas crianças e adultos sofrem do que Richard Louv chama de "transtorno de deficit de natureza" - a consciência reduzida e uma diminuição da capacidade de encontrar sentido na vida ao nosso redor. As crianças já não têm a oportunidade de brincar livremente na natureza, explorando madeiras ou corrente de um ribeiro, e há menos áreas naturais que são facilmente acessíveis, sobretudo nas zonas mais urbanas. Embora eu tenha crescido no campo, vários amigos que cresceram em Lisboa afirmam que em crianças tinham oportunidade de explorar muitos baldios então existentes e actualmente transformados em prédios de habitação estacionamentos ou zonas comerciais, portanto, até aqueles campos de erva que possibilitavam inúmeras brincadeiras e aventuras, actualmente desapareceram na cidade.

O tempo livre das crianças é altamente planeado em inúmeras actividades extra escolares (a musica, o inglês, as artes plásticas, etc) deixando muito pouco tempo para a brincadeira livre de descoberta do mundo, as suas vidas são cada vez mais protegidas na medida que as famílias se preocupam cada vez mais com os perigos que representam os estranhos, as doenças transmitidas por insectos e germes e sobretudo o grande fantasma do futuro e da habilitação técnica para o mundo profissional cada vez mais competitivo e exigente. E as escolas estão cada vez mais em corte com as viagens de campo, quer seja por não terem verbas para tal, como pela enorme pressão de responsabilidade que tanto pais/mães assustados, ou ainda pelas regras que instituição Ministério da educação lhes impõe também estes vitimas da incrível paranóia e fobia que a natureza é perigosa e assustadora. Isso e infelizmente (pelas consequências indirectas) já há muitas décadas que não acontece, sendo completamente obsoleto e castrador.

A nossa definição de natureza precisa ser mais ampla que um ecrã de computador ou televisão, ou as páginas de um livro (por muito bons que sejam). Precisamos fugir da ideia de que a natureza é "lá fora", que é algo que se deve visitar, mas inevitavelmente implica uma deslocação de muitos quilómetros. Tudo isto implica repensar o papel da natureza nas nossas cidades, e sobretudo nas nossas vidas quotidianas, o que numa relação directa de efeito causa, significa que temos também de repensar o nosso papel na Natureza.

Nos dias que correm temos mais de metade da população mundial que vive em cidades, e em, resultado está diante de dois extremos opções em termos das experiências significativas na natureza que nos podemos proporcionar. Ou o início pela opção de novos tipos de cidades ou uma nova definição de natureza.

De acordo com Louv, a conservação já não é de todo suficiente, é preciso também restaurar ou criar habitats naturais nas quintas e propriedades rurais, nas cidades, bairros, prédios comerciais, estradas, e também em telhados e varandas, para proteger a biodiversidade de que todos os seres vivos, incluindo os humanos, precisam.
No entanto, algumas análises e indicadores, evidenciam a existência de vários factores positivos entre a saúde humana, a inteligência e natureza.
As crianças são mais saudáveis, felizes, e provavelmente mais inteligentes e criativas quando têm algum tipo de relação regular com a natureza, pois esta tem efeitos positivos sobre as crianças com transtorno de deficit de atenção, asma e obesidade. Por outro lado é bem sabido que estar na natureza alivia o stress e melhora a saúde física.

Par os trabalhadores que estão em espaços em foi dado alguma atenção e espaço para a natureza na sua concepção, estas pessoas são mais produtivas, saudáveis ​​e criativas. Também em pacientes de hospital em que lhes é permitida a observação de algum verde e natural existente fora da janela, constata-se a capacidade de curar o recuperar mais rapidamente, para além de não chegarem a entrar na depressão inerente ao estado de doença e incapacidade, mesmo que temporária.

Alguns estudiosos acreditam que temos uma ligação inata e espontânea, uma afinidade inata para a ligação com a natureza, ao que chamam biofilia. Mas por outro lado as pesquisas indicam que se as crianças não têm a oportunidade de explorar e desenvolver essa biofilia durante os primeiros anos de vida,  essa biofilia irá transformar-se muito claramente em biophobia , um processo de aversão à natureza, que acontece sobretudo por medos e inseguranças desenvolvidas e muito difíceis de ultrapassar. A biophobia pode assumir a forma de um medo de estar na natureza, até ao desprezo relativamente ao natural, assumindo a ideia que o que não é feito ou conseguido pelo homem nada vale, adoptando então uma atitude em que a natureza é nada mais do que um recurso descartável, atitude essa que levará inevitavelmente a humanidade á sua própria extinção a não muito longo prazo.

Se queremos proteger o nosso ambiente e a biodiversidade, teremos de socialmente ir criando oportunidades tendo em conta que relacionar com a natureza é crucial para crianças e adultos. Precisamos passar mais tempo desligados da tecnologia e encontrar maneiras de deixar a natureza equilibrar as nossas vidas, tão conturbadas nos dias que correm.

Encontrar pequenas aberturas para a natureza em cada dia, seja no na cidade, em casa, no local de trabalho, nas escolas e nos bairros. Perdermos algum tempo a olhar para uma árvore, um canteiro de flores, aves em voo ou outros factores. Para as autarquias ou para aqueles que têm o privilégio de ter um pequeno quintal, a plantação de espécies autóctones e nativas nos referidos espaços, pode revelar-se vital. Assim como deixar parte dos espaços selvagens. Fazer um esforço na vida atribulada para levar as crianças em caminhadas, um piquenique no campo, construir um alimentador para aves ou ir fazer observação destas aves, um passeio no parque, andar de bicicleta, criar uma horta comunitária, fazer um piquenique, ou exercício físico ao ar livre. Tudo vale.

Também são cada vez mais aqueles que trabalham para retornar as crianças à natureza através da educação, urbanismo, arquitectura, conservação, saúde pública e muitas outras disciplinas, com a natureza servindo de base para ideias e ferramentas que os professores e as famílias utilizam em actividades e eventos.

"No final, o destino da biodiversidade e dos ecossistemas depende das escolhas políticas e escolhas individuais...", escreveu Peter Kareiva- "Se as pessoas nunca experimentam a natureza para terem a percepção e compreensão dos serviços que a natureza proporciona, é improvável que as pessoas acabem por escolher um futuro sustentável." De facto, a maioria dos ambientalistas e conservacionistas seguramente tiveram experiências profundas com a natureza enquanto foram crianças, experiências essas que ajudaram a moldar as suas aspirações futuras. Por mim falo e do mesmo modo, por muitos outros colegas de trabalho que tenho conhecido ao longo do meu percurso, em várias instituições, organizações e projectos, sempre e de algum modo com a conservação da natureza e o desenvolvimento sustentado como bandeiras principais.

Temos de assegurar à próxima geração que também tenha a oportunidade de ter encontros significativos e marcantes com a natureza, porque não pode crescer a amar sem não experimentar e tocar. 

Se as crianças perdem o amor pela natureza, quem e como serão os gestores do ambiente do futuro?

Uma coisa é absolutamente certa e incontornável na equação a formular na nossa actualidade
Não é o planeta que urge salvar, pois ele já passou por experiências mais difíceis que “a humana” e a todas sobreviveu. É a nós e ao nosso modo de vida que temos de salvar, pois para o planeta e universo, trata-se apenas de mais uma ou menos uma extinção… a vida continua, com ou sem humanos "

Cultivar Biodivercidade

1 comentário:

Cláudio Jardim disse...

Parabéns pelo texto, excelente trabalho.

http://natureza0.blogspot.pt/